“As competências e o RH”

Sergio Canossa - Palestrante e Consultor

Sercan Treinamento e Consultoria

 

Um dos grandes dilemas e preocupações dos profissionais de RH quando se trata de atividades ligadas a certificação ISO 9000 é quanto à identificação e descrição das competências. O outro, posterior, é avaliar a eficácia dos treinamentos. Isto tem levado a muitas observações e não-conformidades durante as auditorias. Por outro lado, também tem proporcionado aceitação de modelos incompatíveis com os requisitos normativos, devido a falha na qualificação de auditores. O que se pode observar através de relatos obtidos em treinamentos, fóruns, auditorias, grupos na internet é que a dúvida é predominante em ambas as direções – empresas e auditores. E a situação pode estar acumulando dimensões irreais, pois não agrega valor às organizações. Precisamos deixar claro que uma boa descrição de competências está diretamente relacionada com as necessidades de treinamento e conseqüentemente torna-se instrumento eficaz na avaliação de eficácia destes mesmos treinamentos. Dissociar uma coisa da outra é jogar recursos fora. A adoção de receitas prontas e a manutenção de velhos paradigmas implicam em dizer que a empresa apenas cumpre tabela e, que, a direção poderá dispor destes recursos sempre que houver dificuldades financeiras, pois elas como dissemos não agregam valor. E o que fazer para alterar este cenário?

 

É fato que uma significativa quantidade de empresas e profissionais ainda associa os requisitos a velhos modelos e paradigmas dissociados da compreensão do que realmente deve ser feito. Em geral os gestores de qualidade não dominam as atribuições de RH, bem como outros fundamentos de gestão empresarial e, por sua vez os profissionais de RH ainda se comportam como área de apoio à distância e não entendem que passaram a ser um elo vital ao sistema da qualidade. Deles depende muito a entrada de conhecimento acumulado e a ser absorvido pela empresa. Com isto, estão sendo criados novos paradigmas do que o auditor busca a observar na empresa e que, não corresponde necessariamente a realidade. Por outro lado, gestores e consultores têm proposto soluções cômodas baseadas na estrutura de cargos e salários como se fossem as respostas mágicas para a questão das competências e, conseqüentemente levam o treinamento para um papel distante daquele desejado pelas normas de qualidade.

 

Os modelos de gestão de RH ainda estão focados, em muitas organizações, na visão de departamento pessoal e de benefícios. Com isto, o treinamento, seleção de pessoal, entre outras, são todas atividades complementares a esta visão. Algumas grandes empresas têm buscado rever esta posição com diversas soluções, mas nas pequenas e médias, em sua maioria, ainda persiste a figura onipresente do velho DP (departamento de pessoal) como agente de ordem e paz. Para manter a estrutura trabalhista funcionando existe a estrutura de cargos e salários, em que algumas empresas mantêm profissionais envolvidos, enquanto outras empresas compram modelos prontos. No entanto, estas soluções são perfeitas para as responsabilidades trabalhistas a que a empresa está obrigada. Com o ambiente formatado, a famosa descrição de cargos e salários acaba sendo apontada como a solução para a atividade de identificar as competências descritas nas normas de qualidade. Nada mais inadequado.

 

O que poucos observam é que a norma refere-se às funções que afetam a qualidade. Como a descrição de cargos e salários visa o registro formal do empregado e sua ascensão financeira, algumas funções e atividades comuns na qualidade não necessariamente serão formalizadas com registro em carteira. Por exemplo: auditor interno, representante da direção, etc... É preciso lembrar ainda, que no modelo de gestão atual, os profissionais são multi-tarefas, ou seja, executam diferentes funções a cada momento, entrando em conflito direto com o modelo de cargos e salários na maioria das empresas. O resultado é uma descrição de competências incompleta, com profissionais multi-tarefas desde a produção até a alta administração não atendidos integralmente pela “descrição de competências” adotada, e, planos de treinamento dissociados das reais necessidades da empresa. Por fim, avaliações de resultados de treinamentos utilizadas como mera formalidade da norma, sem significado e resultados efetivos.

 

Acrescente-se aos fatos que, os profissionais da área freqüentemente mal compreendem as razões do requisito e sua relação com a gestão da qualidade nas empresas bem como na gestão de outras políticas. E, muito menos, as ligações históricas dos modelos de gestão aplicados em RH. A norma está aberta aos atuais conceitos difundidos na área. Mas são poucos os profissionais que se mantém atualizados. E mais, a maioria dos auditores, também desatualizados na área de recursos humanos, por segurança própria, adota como verdade velhos paradigmas apoiados no que viu ao longo de sua experiência profissional. Com isto acabam reforçando a idéia da descrição de cargos e salários, por exemplo. Isto acontece porque a maioria dos auditores é oriunda das áreas de engenharia e de produção. Não têm a vivência da área de recursos humanos.

 

É preciso, portanto, começar por compreender os requisitos aplicáveis ao RH. Vamos nos limitar ao treinamento. Mas não podemos esquecer que normas como a ISO TS 16949:2002 requerem também uma pesquisa de clima e atividades de motivação, junto ao RH. De uma forma simplificada o que a norma requer das empresas é o básico – que se identifiquem as competências, ou seja, os requisitos para se realizar adequadamente as funções. Depois, quais são as necessidades existentes em decorrência das diferenças entre as competências existentes e o que falta realizar, assim teremos um plano de treinamento. Se a empresa descreveu corretamente os requisitos para as funções que nela existem e, que, para efeito da norma afetam a qualidade do que é o produto ou serviço realizado, então o plano de treinamento deverá indicar o que é necessário para atingir o que falta para os profissionais atuarem como esperado. Assim, temos uma referência para avaliarmos a eficácia de qualquer treinamento que venha a ser executado. Em termos gerais, iremos comparar a necessidade explicita de conhecimento, habilidades, enfim competências com o que foi proporcionado pelo evento. Se for possível identificar a competência esperada então dizemos que o treinamento foi eficaz.

 

O objetivo é que o treinamento seja instrumento de negócios para a organização e não um mero coadjuvante. Assim, as atividades de treinamento deixam de ser fundamentados em pesquisas de desejos apontados pelos superiores de cada profissional e passa a ser um estudo detalhado e aperfeiçoado ao longo do tempo em que a empresa através dos profissionais de RH planeja, identifica e proporciona a qualificação necessária a  cada um destes profissionais. O foco é o plano de negócios da empresa, como ela estará nos próximos anos sem esquecer o dia de hoje. O profissional de recursos humanos passa a ter um papel decisivo ao compreender as reais necessidades e indicar as melhores soluções bem como fazer as correções quando não se atingir o grau esperado. Por isto a adoção de modelos baseados na descrição de cargos e salários torna-se insuficiente e, o desconhecimento de modelos de treinamento como os propostos por Donald Kirkpatrick levam a resultados insatisfatórios.  O primeiro ato dos profissionais da área é compreender esta proposta, pois, ela é a base do que a norma ISO 9000 tem como referencia. Esqueça o modelo focado em departamento de pessoal.

 

Tudo o que descrevemos até aqui leva-nos a descrição de competências em que não se faz relação com o plano de treinamento. Ou seja, os profissionais de recursos humanos apoiados pelos gestores de qualidade elaboram uma listagem de cargos com descrições genéricas em demasia não permitindo que as necessidades dos profissionais possam ser planejadas. Esta tarefa é transferida aos superiores que por desconhecimento e, vez por outra, conveniência, indicam treinamentos com base em sua vontade pessoal e, também por mera sugestão dos catálogos que recebe. Há também os casos em que o treinamento é indicado para satisfazer um funcionário ou mesmo para livrar-se dele por alguns dias. Assim, é fácil perceber que a descrição não contempla tudo o que realmente é necessário e que acontece na organização. Por outro lado ao se verificar o plano de treinamento observa-se que nada tem em comum com as competências descritas, salvo ação individual de algum chefe. Quando se analisa uma competência e questionam-se quais treinamentos os ocupantes desta devem ter as desculpas são variadas. Indo mais além, após a realização dos tais treinamentos, o superior é solicitado de forma burocrática a indicar se o evento foi eficaz com a simples informação de sim ou não. Muitas vezes este chefe não se recorda do motivo ao qual o seu subordinado foi indicado para participar do treinamento. Portanto, responde apenas para atender a um procedimento ou para ajudar o RH a não ter problemas na auditoria. É preciso ser especifico e entender se o novo conhecimento pode levar a empresa a solucionar um problema na empresa, no departamento, enfim se o profissional agora está atendendo a uma necessidade.

 

Tudo isto é dinâmico. E os profissionais devem compreender que a descrição de competências, o plano de treinamento e a avaliação de eficácia do treinamento estão diretamente inter-relacionados. E que, acima de tudo deve haver a satisfação de uma necessidade da empresa que pode estar solucionada no atendimento de uma deficiência momentânea de um de seus profissionais. Portanto, pense se a sua empresa não está sendo burocrática e formal ao invés de promover o aperfeiçoamento profissional ligado diretamente com as necessidades da organização. É uma questão de sobrevivência da empresa e até mesmo da área de recursos humanos. Sintonize-se com todas as atividades e políticas adotadas. 
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