As Dez Faces da Inovação

HSM Management 55 março-abril 2006

 

Mantenha a criatividade em alta em sua empresa reunindo dez perfis de profissionais que representam os diferentes aspectos do processo de inovação. Tom Kelley, presidente da empresa de design Ideo, ensina como.

 

Todos nós já vivemos uma situação assim: aquela reunião crucial em que você tem de apresentar uma nova idéia ou proposta pela qual está apaixonado. As discussões caminham de forma acelerada em direção ao apoio quase consensual a sua idéia, até que alguém acaba com suas esperanças com a mesma frase fatal de sempre: "Deixe-me fazer um pouco o papel de advogado do diabo...".

 

Sob a proteção inequívoca dessa frase aparentemente inócua, o participante da reunião que pediu a palavra agora se sente inteiramente à vontade para atacar sua idéia, e o faz impunemente. Afinal, não é dele que partem as críticas. Ele apenas fala "em nome do diabo".

 

Por meio desse expediente, bastante comum nas salas de reuniões das empresas do mundo inteiro, o pretenso advogado do diabo coloca-se em uma posição privilegiada, isentando-se da responsabilidade pelos ataques verbais.

 

Na verdade, o advogado do diabo talvez seja atualmente o maior inimigo da inovação no mundo dos negócios. O que faz com que esse personagem negativo seja tão perigoso é o fato de ser uma ameaça sutil. Todos os dias, milhares de ótimas novas idéias, novos conceitos e novos projetos são liquidados pelos advogados do diabo.

 

Por que a ação desse personagem corporativo é tão danosa? Porque o advogado do diabo leva os inovadores a assumir a perspectiva mais negativa possível, a ver apenas o lado ruim, os problemas e o potencial desastre no horizonte.

 

Ainda assim, você pode perguntar-se por que isso o afeta. E por que considerar esse um problema importante. Porque a inovação é vital para todas as organizações, e o advogado do diabo é como um elemento tóxico. Esse não é um assunto menor. É fundamental para o debate sobre o papel da inovação para a saúde e força de uma empresa.

 

Como presidente da Ideo, tenho trabalhado com clientes de muitas partes do mundo, de Cingapura a São Paulo, passando por São Francisco. Testemunhei em primeira mão como a inovação se transformou ao longo do tempo em uma ferramenta crucial para todos os setores de atividade e segmentos de mercado.

 

Embora nós, da Ideo, passemos a maior parte do tempo atuando no mundo da inovação baseada em produtos, recentemente descobrimos que a inovação também pode ser uma ferramenta de transformação da cultura da organização como um todo. É claro que um grande produto pode ser um elemento importante na fórmula de sucesso de um negócio, mas as empresas que quiserem vencer hoje precisam de muito mais. Elas precisam de inovação em todos os momentos, em todos os aspectos do negócio, em cada membro de sua equipe.

 

Desenvolver um ambiente plenamente engajado na mudança positiva, e uma cultura rica em criatividade e renovação significa criar uma companhia com 360º de inovação. E empresas que queiram ser bem-sucedidas no campo da inovação necessitam de novas descobertas, outros pontos de vista e novos papéis.

 

Todas as boas definições de inovação enxergam as idéias e a ação andando lado a lado, assim como a fagulha e o fogo. Os inovadores não vivem apenas com a cabeça nas nuvens, também têm os pés no chão.

 

A 3M, uma das primeiras empresas a abraçar a inovação como a essência de sua marca corporativa, define a inovação como "novas idéias -somadas à ação ou à implementação-, que resultam em uma melhoria, em um ganho ou em lucro". Não basta ter uma boa idéia. Apenas quando age, quando implementa, é que você está realmente inovando. Idéia. Ação. Implementação. Ganho. Lucro.

 

São belas palavras, não há dúvida. Mas ainda há uma peça faltando: as pessoas. É por isso que prefiro a definição da consultoria Innovation Network: "Pessoas que implementam novas idéias para gerar valor".

 

A definição clássica da 3M pode deixar você com a impressão de que "a inovação simplesmente acontece". No entanto, infelizmente, não há geração espontânea no mundo dos negócios. A inovação não começa sozinha nem se perpetua sozinha. As pessoas fazem com que ela aconteça por meio da imaginação, da força de vontade e da perseverança. E, mesmo que você seja membro de uma equipe, líder de um grupo ou um executivo, seu único caminho real em direção à inovação é por meio das pessoas. Você não consegue fazer isso sozinho.

 

A inovação está diretamente relacionada às pessoas: aos papéis que elas são capazes de desempenhar, aos "chapéus" que elas podem vestir, aos personagens que venham a assumir. Não se trata apenas de gênios da inovação, como Thomas Edison, ou famosos presidentes de empresa, como Steve Jobs e Jeff Immelt. Trata-se de heróis anônimos, que atuam na linha de frente dos empreendimentos; das inúmeras pessoas e equipes que fazem com que a inovação aconteça todos os dias.

 

Na Ideo, nós desenvolvemos dez ferramentas centradas nas pessoas, que se traduzem em talentos, papéis ou personae, destinados à inovação. A lista, apresentada mais adiante, não pretende esgotar o assunto, é possível expandir bastante seu repertório. Descobrimos que adotar um ou mais desses papéis pode ajudar as equipes a expressar diferentes pontos de vista e criar um leque mais amplo de soluções inovadoras.

 

Ao adotar algumas dessas personae voltadas para a inovação, você terá a oportunidade de colocar o advogado do diabo em seu devido lugar. Quando alguém disser "Deixe-me fazer o papel de advogado do diabo" e tentar matar por asfixia uma nova idéia ainda frágil, outra pessoa na sala pode sentir-se encorajada a pedir a palavra e dizer: "Deixe-me ser um antropólogo por um momento, porque eu tenho observado nossos clientes sofrendo em silêncio com esse problema, e essa nova idéia poderia ajudá-los". E, se essa voz inicial estimular outras, talvez alguém diga: "Vamos pensar como um experimentador por um momento. Poderíamos criar um protótipo dessa idéia em uma semana e ter uma noção se estamos num bom caminho".

 

O advogado do diabo talvez nunca vá embora, mas, num belo dia, as dez personae juntas podem mantê-lo em seu devido lugar. Ou dizer a ele que vá para o inferno.

 

Papéis relativos ao aprendizado

 

As pessoas e as organizações precisam constantemente de novas fontes de informação a fim de expandir seu conhecimento e crescer. Portanto, as três primeiras personae estão relacionadas ao aprendizado.

 

Esses papéis estão baseados no conceito de que não importa quão bem-sucedida uma empresa seja, ninguém pode dar-se ao luxo de ser complacente. O mundo está mudando em ritmo acelerado e uma grande idéia hoje pode ser um anacronismo amanhã.

 

Os papéis relativos ao aprendizado podem contribuir para que sua equipe não se torne demasiadamente voltada para dentro e para que a organização não seja presunçosa sobre o que ela sabe. As pessoas que assumem os papéis relacionados ao aprendizado são humildes o suficiente para questionar sua própria visão de mundo e, ao fazê-lo, permanecem abertas a novas influências diariamente.

 

1. Antropólogo. Traz para a organização novos ensinamentos e idéias ao observar o comportamento humano e desenvolver um entendimento profundo de como as pessoas interagem física e emocionalmente com produtos, serviços e espaços.

 

Quando uma pessoa da área de recursos humanos da Ideo faz sua pesquisa de campo em um hospital, acompanhando por 48 horas um paciente idoso que se submeterá a uma cirurgia, ela está atuando como um antropólogo e ajudando a desenvolver novos serviços de saúde.

 

2. Experimentador. Desenvolve protótipos o tempo todo, aprendendo por meio de um processo esclarecido de tentativa e erro.

O experimentador assume riscos calculados para alcançar o sucesso por meio de um estado permanente de "experimentação pela implementação".

 

Quando a BMW deixou de lado seus canais tradicionais de propaganda e criou pequenos filmes com qualidade de cinema para o site www. bmwusa.com/bmwexperience / films.htm, ninguém poderia dizer se a experiência teria êxito ou não. No entanto, o sucesso de longo prazo dessa iniciativa destaca o tipo de retorno obtido com os experimentadores.

 

3. Polinizador. Explora outros setores de atividade e outras culturas e, então, traduz suas descobertas para as necessidades específicas da organização em que atua.

 

Uma mulher de negócios japonesa, de mente aberta, foi tomada pela idéia de uma "cerveja genérica", que viu pela primeira vez em um supermercado dos Estados Unidos. De volta para casa, levou consigo esse insight, que se transformou na rede de lojas "sem marca" Muji, ou Mujirushi Ryohin, um império do varejo com 300 estabelecimentos -em japonês, mujirushi ryohin quer dizer algo como "mercadorias sem marca, mas com qualidade". Esse é o tipo de alavancagem gerado por um polinizador.

 

Papéis organizadores

 

As três próximas personae de que trataremos estão relacionadas à função organizadora. Esses papéis são desempenhados por indivíduos que possuem a compreensão do processo, geralmente pouco intuitivo, que leva as idéias adiante nas empresas.

 

Na Ideo, costumávamos acreditar que as idéias deveriam falar por si mesmas. Hoje percebemos o que os personagens corredor de obstáculos, colaborador e diretor já descobriram há algum tempo: mesmo as melhores idéias devem competir continuamente por tempo, atenção e recursos. Quem assume tais papéis dentro da empresa sabe que a alocação de recursos segue também critérios "políticos". Trata-se de um complexo jogo de xadrez, em que essas pessoas jogam para ganhar.

 

4. Corredor especialista em corridas de obstáculos.

Sabe que o caminho até a inovação é repleto de obstáculos e desenvolve a destreza necessária para superar ou se desviar deles.

 

Quando o funcionário da 3M que inventou a fita crepe teve sua idéia rejeitada, ele se recusou a desistir. Ainda com um limite de gastos de US$ 100 por compra, ele fazia várias compras de US$ 99 para obter o equipamento de que precisava para produzir o primeiro lote. Sua perseverança foi recompensada: a 3M ganhou bilhões de dólares graças ao esforço de um corredor de obstáculos disposto a driblar as regras.

 

5. Colaborador. Contribui para reunir grupos ecléticos de pessoas, liderando-as para criar novas combinações e soluções multidisciplinares.

 

Não faz muito tempo, a Kraft Foods e o supermercado Safeway sentaram-se à mesa para descobrir como colocar abaixo as paredes que tradicionalmente separam fornecedores e varejistas. Uma das estratégias encontradas para otimizar as transferências de artigos de um para outro trouxe não apenas economias de mão-de-obra e de custos de manutenção. A maior eficiência fez com que as vendas dos sucos Capri Sun, por exemplo, aumentassem cerca de 167% durante uma promoção.

 

6. Diretor. Esse personagem não somente reúne uma talentosa equipe, como também contribui para que as pessoas brilhem.

 

Eis um modelo de diretor para qualquer empresa: executiva da área de criação da Mattel que seqüestra sua equipe de designers e líderes de projeto por 12 semanas e chega ao final desse período com um novo brinquedo para meninas que pode gerar US$ 100 milhões.

 

Papéis de construção

 

As quatro personae restantes são construtoras, utilizam as informações provenientes dos papéis relacionados ao aprendizado e conferem poder aos papéis organizadores para que a inovação aconteça. Quando as pessoas assumem o papel de construtoras, deixam sua marca na empresa. Além disso, essas pessoas possuem alta visibilidade e, por isso, é comum encontrá-las no centro das ações.

 

7. Arquiteto de experiências. Desenvolve experiências que vão além da mera funcionalidade, a fim de estabelecer uma relação em nível profundo com necessidades latentes ou expressas do consumidor.

Um exemplo de experiência de sucesso é o que fez a Cold Stone Creamery quando transformou a preparação de uma sobremesa gelada em uma performance divertida. A recompensa veio na forma de preços premium e no alarde de marketing.

 

8. Cenógrafo. Cria o palco em que os integrantes da equipe de inovação podem fazer seu trabalho melhor, transformando o ambiente físico em ferramentas poderosas, capazes de influenciar comportamentos e atitudes.

 

Empresas como a Pixar e a Industrial Light & Magic reconhecem que o ambiente certo é capaz de alimentar e sustentar uma cultura criativa. Quando os Cleveland Indians descobriram o poder de seu novo estádio na conquista de vitórias, eles demonstraram o valor dos cenógrafos.

 

9. Cuidador. Baseia-se na metáfora do profissional de saúde, levando o cuidado com o consumidor a um patamar que vai muito além dos serviços. Bons cuidadores antecipam as necessidades dos consumidores e estão prontos a se encarregar delas. Ao observar um serviço que realmente atende à demanda, geralmente há um cuidador no comando.

 

A Best Cellars, varejista que está tirando do vinho tudo o que ele pode ter de misterioso ou esnobe, transformando a bebida em algo simples e divertido, é um ótimo exemplo do papel do cuidador, ao mesmo tempo que obtém bons lucros com a iniciativa.

 

10. Contador de histórias. Desenvolve tanto o entusiasmo interno como o nível de conhecimento externo pela narrativa, transmitindo um valor fundamental e reforçando uma característica cultural específica.

Empresas como a Dell e a Starbucks possuem muitas e muitas lendas corporativas que dão suporte a suas marcas e constroem vínculos entre seus funcionários. A Medtronic, famosa pela inovação de seus produtos e seu alto e consistente crescimento, reforça sua cultura com as próprias narrativas dos pacientes que foram salvos ou tiveram sua vida alterada em função dos produtos da empresa.

 

O mais importante sobre esses dez personagens é o fato de eles funcionarem na prática, no dia-a-dia do mercado impiedoso. A Ideo já os testou milhares de vezes no laboratório do mundo real. Trata-se de "ser inovação" em vez de apenas "fazer inovação". Utilize um ou mais desses papéis e você dará um passo consciente em direção a se tornar mais inovador.

 

Esta reportagem da Fast Company traz os highlights do livro The Ten Faces of Innovation, que Tom Kelley, presidente da Ideo, escreveu com Jonathan Littman. Kelley esteve no Brasil em novembro de 2005 a convite da HSM para uma apresentação na ExpoManagement.


...............................................................................................................................

imprimir | Download

...............................................................................................................................